SOFTWARES: COMO É POSSÍVEL PROTEGER UM PRODUTO DIGITAL?

A historiografia mostra que o exercício do direito existe desde o início do convívio social entre os homens. Os mais antigos documentos físicos contendo princípios e normas jurídicas, que visavam à organização social, foram encontrados há cerca de 3.000 anos atrás no Egito e na Mesopotâmia. Ao longo das eras, as ciências jurídicas construíram suas bases e tornaram-se complexas, de modo que a cronologia nos coloca no presente cenário: se existe um universo digital, por que o direito não estaria nele? Por óbvio, a abrangência das leis adequou-se à nova realidade para que pudéssemos falar em Direito Digital.

Alguns podem cogitar como seria possível proteger um produto digital, dada a peculiaridade volátil das relações cibernéticas. Ora, o direito, uma ciência tão tradicionalista, parece não combinar com esse novo mundo. Mas é plenamente possível! Um exemplo de produto digital abrigado sob a égide jurídica é a categoria dos programas de computador e dos aplicativos, também chamados de softwares — não há nada mais contemporâneo do que isso. No Brasil, temos uma lei específica que delibera sobre tal produto.

Conhecida como “Lei do Software”, a Lei Nº 9.609/98 é o dispositivo legal que protege, de forma mais específica, os direitos dos desenvolvedores de programas de computador nas fronteiras nacionais. Aliada aos direitos autorais — sobre os quais falaremos adiante -, ela fornece um parâmetro para estipular obrigações e direitos em relação ao uso de softwares por terceiros. Pela lei, tem-se:

Art. 1º Programa de computador é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados.

Considerando o software um produto real, do qual muitos trabalhadores extraem renda, ele é resguardado como tal. Isso significa que os direitos de comercialização também valem para essa categoria, conforme destaca o Art. 2º do dispositivo supracitado:

Art. 2º O regime de proteção à propriedade intelectual de programa de computador é o conferido às obras literárias pela legislação de direitos autorais e conexos vigentes no País, observado o disposto nesta Lei.

Repare que o texto legal assimila o software a uma obra literária, o que nos permite inferir que as autoridades brasileiras encontram uma intersecção entre os dois produtos nos termos da propriedade intelectual. Então, sim: os programas de computador também são envoltos pela aura protetiva dos direitos autorais. Nessa oportunidade, vale citar que o Brasil é signatário da Convenção de Berna (1886), a mais antiga das convenções internacionais sobre os direitos do autor. O país também possui legislação própria sobre o tema, a chamada “Lei de Direitos Autorais” (Lei Nº 9.610/98). Em seu Art. 7º, verifica-se:

Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:

[…]

XII — os programas de computador

A presença dos programas de computador na lista de obras resguardadas pelas autoridades da propriedade intelectual culmina na garantia legal, por parte do autor, de exclusividade sobre sua produção. Além disso, confere a ele o poder de controlar a cópia e distribuição de sua obra, bem como exigir, inclusive judicialmente, que terceiros a comercializem ou a utilizem sem sua autorização. Outra vantagem assegurada consiste na possibilidade de cobrar royalties pela cessão de direitos de uso.

Os dois dispositivos legais citados anteriormente complementam-se na proteção do software e elencam punições para quem violar os termos de uso e compartilhamento do produto, de modo a tecer a segurança jurídica tão ambicionada na “terra de ninguém” que é a internet. Fato é que a legislação sobre direitos autorais pode, e deve, ser aplicada aos programas de computador nos casos em que a “Lei do Software” não cobrir determinadas especificidades.

COMO REIVINDICAR DIREITOS SOBRE O MEU PROGRAMA DE COMPUTADOR?

Via de regra, não existem formalidades indispensáveis para a proteção de obras em termos de propriedade autoral. O simples fato de o autor tê-las criado já as protege. Assim, para reivindicar judicialmente os direitos morais e patrimoniais, o autor deve valer-se de provas extrajudiciais, como assinaturas e declarações de autoria. No território nacional, esse resguardo é estendido por toda a vida do criador da obra, extinguindo-se apenas após 70 anos de sua morte. Depois disso, e caso os familiares não reivindiquem a propriedade, aquela produção entra em domínio público.

Não se esqueça de que tudo isso vale para os softwares, de maneira que o autor não está obrigado a fazer nenhuma natureza de cadastro. Apesar da desobrigação, existe a possibilidade de registrar um programa de computador e, com isso, adquirir a titularidade daquele código fonte. Aqui, entende-se o código fonte como a linguagem natural ou codificada do sistema. O processo é feito pelo site do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e o tempo de espera sobre a decisão do pedido não é longo — a expedição do certificado leva, em média, 10 dias. Nesse esquema, o titular detém direitos sobre a criação durante 50 anos, contados a partir de 1º de janeiro do ano subsequente à sua publicação ou criação.

Esse tipo de registro pode ser bastante atrativo para empresas que trabalham diretamente com o desenvolvimento de softwares, uma vez que fornece uma prova mais robusta e consistente da titularidade e anterioridade de autoria daquele produto, caso ocorra uma disputa judicial ou pirataria verificada.

Entretanto, é preciso reiterar o fato de que o registro de software produz direitos apenas sobre o código fonte, de forma que qualquer atualização resultante em alteração da matriz original enseja necessidade de novo pedido de registro. Como nenhum software sobrevive desatualizado em tempos hodiernos, recomenda-se que um novo cadastro seja feito a cada update.

Em alguns casos, uma terceira via pode ser pleiteada por aqueles que desejam resguardar sua criação tecnológica. Referimo-nos às patentes, as quais são responsáveis por abarcar aspectos técnico-funcionais das criações concernentes a um programa de computador, desde que apresentem novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. Deve-se assegurar, também, que essa criação não conste nos campos citados no Art. 10 da Lei da Propriedade Industrial (Lei Nº 9.279/96), o qual cita as matérias não consideradas invenções. Esse método de proteção industrial garante ao titular direitos sobre a criação por 20 anos, contados a partir do depósito do pedido de patente. Se você não for capaz de cogitar um motivo pelo qual a vigência de uma patente inicia-se antes do aval do pedido, nós te contamos. No Brasil, o tempo médio para conquistar o registro de uma patente fica entre sete e dez anos, sem falar na burocracia envolvida nos trâmites iniciais. Falaremos desse assunto em outra oportunidade.

Entretanto, é preciso alertar que nem todos os softwares são patenteáveis. Pela legislação brasileira, somente os softwares que sejam indispensáveis ao funcionamento de uma máquina (hardware) poderão ser objeto de patente, isto é, aqueles sem os quais determinado hardware não funcionaria. Por essa razão, em nosso país não é possível obter uma patente de aplicativo móvel, por exemplo. Sendo assim, que tipo de software pode ser patenteado? Temos como bons exemplos os sistemas de controle de hardware contidos em sistemas operacionais, sem os quais um computador não iniciaria. Também podemos citar os firmwares de celular.

POSSO TRANSFERIR OS DIREITOS DE USO DO MEU SOFTWARE?

A já mencionada “Lei do Software” prevê quatro modalidades de licença para os programas de computador, ou seja, formas de transferir os direitos de uso do produto a terceiros, quais sejam:

1. Contrato de licença de uso, através do qual o proprietário concede a um terceiro o direito de usar o programa de computador por tempo indeterminado e de forma não exclusiva, para instalação do software em seus equipamentos;

2. Contrato de comercialização, firmado entre o titular do direito e o usuário final, visando à comercialização do software;

3. Contrato de transferência de tecnologia, o qual deve ser registrado pelo INPI para que produza efeito em relação a terceiros e cujo objetivo é transferir a um terceiro a tecnologia envolvida na construção, funcionamento, manuseamento e alteração do software;

4. Contrato de Prestação de Serviços, que tem utilidade nos casos em que um desenvolvedor é contratado para criar um programa específico para o usuário, com objetivo de evitar que o desenvolvedor registre o produto em seu próprio nome.

ESTÃO USANDO MEU SOFTWARE SEM MINHA AUTORIZAÇÃO. E AGORA?

No que tange à Lei do Software, a violação dos direitos patrimoniais do autor pode resultar em detenção e/ou multa. Na hipótese de a infração não envolver fins comerciais, a pena sugerida é a detenção de seis meses a dois anos ou multa. Todavia, se a violação consistir em fins comerciais — isso é, a venda ou exposição à venda, introdução no país, aquisição ou detenção, em depósito, original ou cópia de programa de computador produzido com a violação — a penalidade aumenta para reclusão de um a quatro anos e multa. Outrossim, se a violação do direito do titular acarretar sonegação fiscal, decréscimo de arrecadação tributária ou prática de quaisquer crimes contra a ordem tributária ou contra as relações de consumo, uma ação pública deve ser instaurada, existindo ou não queixa crime.

CONCLUSÃO

Por derradeiro, fica provado que um desenvolvedor de software não está desamparado pela tradicional ciência jurídica. A difusão das relações comerciais na internet não deve te causar nenhuma insegurança em compartilhar seu produto digital. Ainda, fica a reflexão acerca da necessidade, ou não, do registro de um programa de computador. Caso o autor opte por não registrar, por certo continuará amparado pelos direitos autorais. Caso decida investir em uma segurança jurídica mais sólida, será titular do código fonte de sua criação por muitos anos. Como já foi dito, o direito tem um poder magnífico de adequar-se às necessidades de seu objeto de estudo: as relações sociais humanas. Assim, percebendo que mundo de hoje irradia ondas de tecnologia, transfigurou-se em receptor.

Por: Júlia Carvalho

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